Conheça o designer que está ajudando a moldar o futuro do Twitter

Crédito: Fast Company Brasil

Mark Wilson 11 minutos de leitura

Dantley Davis estava sentado em seu carro em San Jose, no estado da Califórnia, quando um policial empunhando uma arma se aproximou. Não foi a primeira abordagem policial sem motivos que ele sofreu, e, certamente, não seria a última.

Houve um assalto nos arredores e Davis – filho de pai negro e mãe coreana – supostamente se encaixava na descrição do ladrão, segundo o policial.

Embora não conhecesse Davis, certamente conhecia os frutos do seu trabalho. Na época, Davis era uma estrela em ascensão do design no Vale do Silício, responsável por algumas das interfaces mais utilizadas do mundo. Ele concebeu o carrinho de compras para o PayPal, que permite que você compre facilmente de varejistas terceirizados. Ele também projetou grande parte da interface moderna da Netflix, que continua em uso até hoje. Além disso, concebeu o conceito atual de ter perfis de conta separados em streamings e também o recurso que mostra a reprodução automática enquanto você navega (pelo qual se desculpou mais tarde).

Mantendo as mãos no volante, Davis explicou ao policial que morava no bairro, porém o agente desconfiou. Davis então prosseguiu, explicando que seu suposto “carro de fuga” – um Nissan Leaf – tinha uma autonomia de bateria de apenas 65 km. “O rosto [do policial] ficou completamente vermelho”, relembra Davis, dando uma risada, “e então me liberou”.

Embora Davis consiga rir disso agora, ele nunca se livrou do problema. Apesar de ter desenvolvido alguns dos produtos mais importantes do Vale do Silício, ele é repetidamente tratado como um outsider – o controle lhe é dado, mas ele continua tendo que se provar o tempo todo. Seu trabalho de criação de interfaces com amplo alcance lhe rendeu cargos importantes em algumas das maiores empresas de tecnologia. Mas com funcionários negros constituindo apenas 3% do quadro de designers e 7% em tecnologia, ele também se viu impotente ao pressionar por mudanças sistêmicas.

Esse outsider, no entanto, agora está moldando o futuro de uma das empresas mais influentes do planeta. Depois de ingressar no Twitter em 2019, Davis se tornou o primeiro diretor de design da empresa (bem como o primeiro executivo negro desde que o Twitter se tornou uma empresa de capital aberto). Sua missão: acabar com comportamentos tóxicos na plataforma e tirar a empresa de uma crise de desenvolvimento de produtos que já dura uma década, em parte mudando sua complacente cultura corporativa.

Embora o Twitter tenha sido uma força motriz por trás dos movimentos sociais mais proeminentes da última década, incluindo #MeToo e Black Lives Matter, também foi o responsável por impulsionar alguns dos piores comportamentos online. Foi permissivo com assédio direcionado desde seus primeiros dias. Propagou discursos de ódio e desinformação, incluindo propaganda antivacina e as distorções de realidade postadas pelo ex-presidente Donald Trump.

Um estudo de 2017 da Anistia Internacional apontou que um tweet abusivo é enviado a jornalistas e políticas mulheres a cada 30 segundos. Examinando uma década de tweets, um estudo de 2018 do Instituto de Tecnologia de Massachusetts descobriu que informações falsas se espalham seis vezes mais rápido do que informações verdadeiras na plataforma e tinham 70% mais chance de serem retuitadas.

Em retrospecto, não é surpreendente que esse tipo de coisa tenha acontecido por tanto tempo. A cultura de desenvolvimento do Twitter tradicionalmente prioriza gerentes de produto obcecados por eficiência, em detrimento de designers focados na experiência. (Exemplo: um dos melhores recursos de design do Twitter – deslizar para baixo, que permite aos usuários atualizar o feed – nem mesmo foi criado internamente; chegou por meio da compra do aplicativo Tweetie pelo Twitter em 2010.) Na maioria das empresas de sucesso, designers resolvem problemas. No Twitter, eles faziam principalmente o que lhes era atribuído.

Davis, no entanto, intensificou a programação de lançamento de produtos do empresa. Nos dois anos desde sua chegada, o serviço lançou um número impressionante de recursos que começam a combater alguns dos problemas centrais da plataforma. Ele fez campanha para colocar rótulos de “informação falsa” no feed (que foram utilizados para sinalizar alegações falsas de Trump sobre fraude eleitoral). Seu grupo ajudou a desativar algoritmos racistas que destacavam rostos brancos com sua função de corte automático de fotos. (O Twitter agora permite que os usuários postem fotos com proporção original.) Além de montar uma equipe de 15 pessoas para desenvolver conceitos para eliminar problemas, como assédio direcionado, ele também está lançando outros produtos, incluindo o recurso de bate-papo com áudio Spaces e um sistema de gorjetas para criadores, que estimulam interações positivas no site.

“O ingresso de Dantley na empresa é um dos pontos de inflexão mais importantes que já que tivemos”, diz Kayvon Beykpour, que, como gerente de produto, trabalha diretamente com Davis para definir os rumos do desenvolvimento do Twitter.

Esse ponto de inflexão não foi fácil para a empresa. Contratado para mudar a cultura corporativa, que por vezes prioriza a longevidade e não o desempenho, Davis é uma figura transformadora no departamento de design e pesquisa, que conta com mais de 200 funcionários.

Por um lado, ele está incorporando perspectivas diversas em sua crescente equipe de líderes de design, que até o momento é composta por nove funcionários, mais da metade dos quais são mulheres e pessoas não brancas. Em todo o seu departamento, ele fez questão de contratar, para resolver os problemas mais profundos da empresa, pessoas cujas perspectivas muitas vezes foram ignoradas. (Funcionários negros representam 6,7% da força de trabalho técnica no Twitter, que emprega cerca de 6.600 pessoas; funcionários latinos representam 6,1%, e mulheres, 29,2%.)

Dantley Davis (Crédito: Shayan Ashgarnia) 

Ao mesmo tempo, porém, ele foi responsável por um êxodo significativo de designers veteranos e isso teve um efeito desestabilizador. Após conversar com 20 ex e atuais colegas do Twitter e de outras empresas, temos um retrato de Davis: um designer reservado e focado em sua missão que, por vezes, pode desanimar e até afastar funcionários. Seus críticos se ressentem pelas mesmas razões que seus seguidores o amam: suas críticas cirurgicamente precisas e objetivas e seu foco na responsabilidade com o trabalho.

“Havia uma cultura de não se fazer muito na equipe”, diz Davis, sem cerimônia. “A expectativa mudou e hoje é esperado que cada um faça sua contribuição.”

Davis tem apoio nos mais altos cargos do Twitter. O CEO Jack Dorsey se refere a ele como “íntegro, criativo e intransigente”. Já a gerente de recursos humanos do Twitter, Jennifer Christie, ressalta que seu estilo “direto e focado no desempenho” impulsiona a empresa a “ser melhor tanto no desenvolvimento de produtos, quanto no tipo de empresa que queremos ser.”

Seu foco implacável nos resultados, no entanto, é uma faca de dois gumes para o Twitter, já que a empresa está em um momento crítico. Em poucas empresas as apostas em design são tão altas quanto no Twitter. Consertá-lo significa transformar a mídia social como a conhecemos – uma tarefa tão assustadora quanto necessária.

Davis e eu viajamos em uma van para o meio do nada para pilotar aeromodelos. Ele equipou uma van Mercedes Sprinter com bebês-conforto para seus dois filhos e, atrás, um conjunto de prateleiras de PVC, onde ficam alguns de seus modelos, que chegam a 4 metros de envergadura.

Assim que saímos, passando pelas barracas de frutas do interior da Califórnia, Davis fez a mesma coisa que fez com sua equipe executiva no Twitter: ele contou sua história.

Nascido em Seul em 1976, passou seus primeiros 16 anos morando em bases militares. Seu pai era da Força Aérea, e após duas viagens ao Vietnã, se tornou chefe da tripulação de F-15s e outros caças. A mãe de Davis é coreana e ensinou ao filho sua língua nativa como primeira língua. Ao se mudaram para a Flórida quando Davis tinha 3 anos, sua mãe seguiu o conselho de um amigo e parou de falar coreano para que ele tivesse um sotaque americano mais “típico”.

Davis descobriu que crescer em bases militares oferecia um tipo particular de liberdade. “Eu vivia cercado por pessoas com vidas completamente diferentes. É um exemplo concreto da diversidade dos EUA”, diz ele. “Eu não tinha nenhuma noção de qual era a minha raça, de fato.” Ele se tornou um construtor de coisas obsessivo; aprendeu a criar modelos e a programar sozinho. No início da adolescência, quando a família de Davis se mudou para uma base militar no sul da Califórnia (seus pais se divorciaram quando ele tinha 8 anos), ele praticava esses hobbies o tempo todo. “Eu era um nerd completo”, complementa.

Ele comprava jogos de videogame no shopping e descompactava seus arquivos para remover a proteção contra cópia. (Foi banido da Software Etc. quando a loja percebeu que ele estava revendendo jogos piratas em disquetes por US$ 5 cada.) Ele começou a recodificar jogos por diversão, aprendendo sozinho no Photoshop a redesenhar texturas. E então, começou a fazer a engenharia reversa dos códigos de programação pois já estava entediado com seus adversários.

Mais tarde, a base da Força Aérea fechou e seu pai se aposentou. Seus amigos deixaram a região. “De repente, percebi minha identidade pela primeira vez”, diz ele. “As crianças negras não queriam ser minhas amigas porque eu não era negro o suficiente. Enquanto crianças brancas não queriam por ser negro.”

No último ano do colégio, ele já construía sites para empresas de car-tuning (empresas que modificam carros, tornando-os mais bonitos, seguros e aumentando sua performance) e trocava seu trabalho por peças para turbinar seu Honda Civic. Um dia após a aula, seu professor de tecnologia o chamou para perguntar se ele pensava em seguir a carreira de designer gráfico. “Eu não tinha ideia do que era”, diz Davis.

Em 1997, aos 19 anos e com US$ 100 no bolso, ele se mudou para a Bay Area, em São Francisco, onde empresas que cresciam rapidamente estavam em busca de designers com proficiência técnica. Ele trabalhou em tempo integral enquanto estudava na Academy of Art University e, posteriormente, na Universidade de São Francisco. Depois de formado, ele conseguiu um emprego no PayPal, em 2002, logo nos primeiros dias da empresa.

Apesar de seu cargo na empresa, Davis se sentia isolado. “Quando cheguei [a São Francisco], tive a sensação de finalmente ter conhecido pessoas como eu, já que todos também eram nerds”, diz ele. Mas depois que a bolha das “pontocom” estourou, tudo se tornou mais corporativo. “Eu sentia que tinha que mudar minha personalidade para me encaixar, para não parecer agressivo.”

Nos fins de semana, Davis dirigia até Riverside, na Califórnia, para visitar sua namorada (que logo se tornaria sua esposa), uma reservista da Base Aérea da Reserva March. “Eu ia à unidade dela e via a camaradagem”, diz ele. “Eu sentia falta disso. Eu estava louco por algo assim.”

Essa falta que sentia da camaradagem se intensificou após os ataques de 11 de setembro, quando Davis tirou uma licença do PayPal para participar do treinamento militar chamado ROTC (ou Reserve Officers’ Training Corps, um programa de treinamento em faculdades e universidades para oficiais comissionados das Forças Armadas dos Estados Unidos). Seu plano era usar benefícios militares para financiar seus estudos em Direito Civil. Ele era movido por um senso de propósito, mas um sargento que supervisionava seu treinamento o convenceu de que ele já havia encontrado seu propósito. “Você poderia tornar o mundo melhor daqui”, Davis lembra o sargento dizendo.

Ele saiu do ROTC e retornou ao PayPal.

Enquanto nos aproximávamos de uma estrada de terra, Davis virou seu Sprinter em direção a um portão enferrujado. E então, chegou o momento de voar.

Antes de a esposa de Davis, como enfermeira, ser enviada ao Iraque em 2006, ela lhe deu um modelo de avião RC. “Isso me trouxe uma sensação de leveza e não fiquei mais tão paralisado de preocupação por ela”, diz ele. E também o apresentou a uma comunidade de entusiastas, muitos deles veteranos. Eles o ofereceram o apoio que faltava em sua vida profissional, que era repleta de pessoas que estranhavam sua relação com militares.

Davis é entusiasta de RC. Lançou o avião para o céu, que subiu em direção às nuvens e caiu em um arco suave. Então, começou a sobrevoar as cercas, apenas a alguns centímetros de distância do limite entre liberdade e colisão.

Davis é naturalmente empático com pessoas que costumam ser rotuladas como “marginais”. Enquanto esteve no PayPal, ele viu a dificuldade que sua mãe teve de configurar o sistema de pagamento online, como dona de uma loja de roupas, um obstáculo enfrentado por muitos outros proprietários de pequenas empresas da sua comunidade coreana. Na época, o PayPal tinha um botão de compra que podia ser usado em todos os tipos de contextos online, mas não possuía um aplicativo. Isso o inspirou a criar o “carrinho de compras” que hoje permite que qualquer varejista ofereça uma compra fácil aos seus consumidores.

Quando começou a trabalhar na Netflix em 2009, ele desenvolveu um conceito de interface para TV. “Alguns de seus primeiros trabalhos trouxeram uma sensação mais cinematográfica para a Netflix”, afirma Chris Smith, agora diretor de design da empresa. “Muitas pessoas da nossa equipe contribuíram para isso. Mas foram realmente os primeiros designs de Dantley que a transformou” Sua visão – de ir além dos thumbnails dos vídeos para uma experiência mais dinâmica – define a interface da Netflix até hoje.

CONSTRUINDO O NINHO: UMA ANÁLISE DOS NOVOS RECURSOS QUE DAVIS AJUDOU A IMPLEMENTAR PARA RESOLVER ALGUNS PROBLEMAS ANTIGOS DO TWITTER


SOBRE O AUTOR

Mark Wilson é redator sênior da Fast Company. Escreve sobre design, tecnologia e cultura há quase 15 anos. saiba mais