Criatividade com “c” minúsculo

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Desde muito cedo na minha carreira, acreditei que a criatividade é um fator multiplicador de negócios.  Demorou, porém, um bom tempo para que eu identificasse um pequeno detalhe que faz uma enorme diferença.  Só me dei conta verdadeiramente dele e entendi suas implicações mais profundas depois de experimentar diferentes culturas, quando morei e trabalhei em Nova York, Buenos Aires, Madri, Paris, Londres e São Paulo.  Depois de entender as dinâmicas de startups e scales ups, trabalhando na Decolar.com e no eBay, e, também, em empresas líderes de seus setores que precisavam mudar por dentro, como a J. Walter Thompson e a WPP.  Depois de a AlmapBBDO, enquanto fui sócio, receber o reconhecimento de agência mais criativa do mundo.  E, mais recentemente, desenvolvendo projetos de inovação de negócios em parceria com empresas como Kraft Heinz, BP, Volkswagen, Visa e Havaianas.  Uma volta ao mundo e tanto para compreender em sua totalidade o poder da criatividade com “c” minúsculo – em oposição à tão conhecida e divulgada Criatividade com “C” maiúsculo.

Existem, porém, diferentes tipos de criatividade, com diferentes usos, então vamos qualificar de qual deles trataremos aqui. Não estou falando sobre arte – um ótimo exercício criativo, mas a arte não precisa fornecer respostas. Na verdade, a arte pode nos levar a fazer perguntas, o que não é pouca coisa. Mais especificamente (e aqui entra o pequeno detalhe que faz enorme diferença), não estou falando sobre Criatividade (com “C” maiúsculo), que pode nomear departamentos, equipes, cargos – e normalmente fica contida/limitada a eles.

Se a criatividade é um multiplicador de negócios, ela precisa permear toda a organização – de RH a Marketing, de Finanças a Supply-Chain e do CEO ao estagiário – e precisa ser capaz de estimular o pensamento inovador, de oferecer novas ideias aos problemas e às oportunidades.

É aí que entram duas abordagens-chave: creative problem solving e design estratégico.

Não, isto não é novo. Nas décadas de 1940 e 1950, engenheiros, arquitetos e acadêmicos começaram a desenvolver uma escola de pensamento chamada Creative Problem Solving. Como o nome sugere, trata-se do uso intencional da criatividade para resolver problemas. Graças a esses pioneiros, hoje há um arsenal de ferramentas e exercícios criativos para distinguir entre diferentes tipos de problemas e inúmeras metodologias e processos para lidar com eles.

Vinte anos atrás, entra em cena o design estratégico. Trata-se agora do uso intencional da criatividade para aproveitar oportunidades de negócio e resolver problemas estratégicos. Fundamentalmente, um modo de trazer inovação para todas as partes da empresa. Neste artigo, trato de três pilares do design estratégico e de dois mindsets principais dos grandes designers.

Primeiro, os pilares:

1. Customer Centricity. A “Centricidade do Cliente” requer empatia. Não “apenas” ler relatórios de pesquisas, análises, dados – que são cruciais –, mas passar tempo com os clientes, observando-os, interagindo com eles, entendendo por que fazem o que fazem, como resolvem problemas. Em resumo, calçar os sapatos deles. E não pensemos somente nos clientes, mas também nos usuários finais de atividades internas da organização. A auditoria da cadeia de suprimentos tem usuários finais. Os programas de treinamento do RH têm usuários finais. Desenvolver empatia com os clientes/usuários finais gera uma fonte infinita de ideias e reality checks. É difícil descrever a surpresa dos engenheiros mecânicos e elétricos de uma grande montadora quando os levamos pela primeira vez para acompanhar as rotinas de consumidores reais (motoristas de carros e de ônibus) e entender a realidade do seu dia a dia. Ou a mudança de estratégia de uma grande empresa de energia aqui na Inglaterra, quando vimos que muitas das pessoas que instalam painéis solares nas suas casas têm como objetivo primordial a redução da conta de energia, e não a preservação do meio ambiente, como era presumido.

2. Colaboração, profunda e ampla. Problemas nas organizações quase sempre são sistêmicos. Mesmo quando o sintoma aparece em um único lugar, a causa raiz está normalmente relacionada a diferentes elementos, que estão conectados. Você precisa entender a interdependência desses elementos – o que chamamos de pensamento sistêmico. Por que é preciso colaborar? Basicamente porque nenhuma solução pontual, de um departamento, resolverá um problema sistêmico. Pensamos em Colaboração de duas maneiras. Primeiro, a Colaboração Profunda, que se dá dentro da organização, rompendo silos, com equipes multidisciplinares trabalhando com diferentes departamentos, pessoas e habilidades para resolver um problema comum. Foi assim que, por exemplo, conseguimos reduzir o processo de onboarding de funcionários de três meses para duas semanas em todo um departamento de uma das 100 maiores companhias de capital aberto do Reino Unido. Segundo a Colaboração Ampla, que se dá junto com outras organizações, num tremendo desafio ao modo tradicional das companhias trabalharem isoladamente. Em um fórum confidencial de CIOs de grandes empresas multinacionais no qual atuo como facilitador, começaremos a discutir os desafios e as melhores práticas para lidar com ataques cibernéticos. A recompensa será uma aceleração enorme do aprendizado a um custo baixíssimo.

3. Iteração (também conhecida como experimentos). Por que em criatividade falamos de iteração e prototipagem? Porque as pessoas penam para compreender e comunicar pensamentos abstratos, ideias, valores, emoções, etc. Combine isso com equipes trabalhando em diferentes culturas e idiomas. Adicione o fato de que uma mesma palavra, na mesma língua, pode ter diferentes significados: como “valor” em finanças, “valor” em marketing e “valor” em TI. Quando você cria um protótipo, as pessoas podem reagir a ele, e você pode entender o feedback muito melhor vendo o comportamento delas – e não explicando o que você quis dizer, esperando que eles entendam e tentando decifrar o que lhe dizem de volta. Ferramentas para isso? Caneta e papel, papelão, storyboards e várias outras coisas. Aplique o método científico: teste, aprenda, melhore / teste, aprenda, melhore. Não parece muito glamoroso, mas é assim que muitas boas ideias se tornam ideias excelentes.

Agora, dois mindsets principais de grandes designers:

1. Apaixone-se pelo problema; não pela solução.

Você tem de investir tempo para investigar e para aprender sobre o problema, antes de começar a pensar em possíveis soluções. No momento em que você cria e propõe uma solução, várias coisas acontecem. Há mudanças no cérebro, que podem te limitar a defender a sua ideia. Pode se estabelecer uma dinâmica do tipo “de quem é essa ideia?”, “de que departamento?”, etc. Não defendendo a “paralisia da análise”. Você deve ter o “viés de ação”. Grandes designers tendem à ação, mas dedicam energia e tempo a entender o problema de diferentes perspectivas (colaboração/iteração). Prototipe e teste frequentemente – não só para experimentar uma possível solução, mas para deliberadamente aprender mais sobre o problema. Einstein dizia: “Se tiver uma hora para resolver um problema, gaste 55 minutos aprendendo e cinco minutos tentando resolvê-lo”. Quanto mais você investiga o problema, mais naturalmente a solução virá.

2. Restrições fomentam a criatividade.

As limitações estão por toda parte. O orçamento não é suficiente, o tempo é apertado, as pessoas de que precisamos não estão disponíveis. Convido você a olhar para essas limitações não só como obstáculos a superar, mas como facilitadores da criatividade. Em projetos, recorrentemente criamos uma função para um “desafiador”/”do contra”, alguém que tentará deliberadamente abrir buracos em nossas ideias, os quais precisaremos preencher. Ou fazemos uso do que chamamos de “Service Recovery”, exercícios deliberados para prever e se preparar para coisas que podem dar errado: o que pode dar errado?; como resolver?, e se isso falhar? Obstáculos aumentam sua prontidão. Fazem você operar fora da zona de conforto, desafiam você a criar por cima do que já sabe (não só usar o que já sabe) e, também, a fazer as coisas de modo diferente. Mencionei arte no início e fecho o círculo aqui falando sobre Jack White, guitarrista do White Stripes. Ele deliberadamente se coloca dentro de caixas para se desafiar. Pratica com guitarras não tão boas, ou com uma corda faltando, para estimular a criatividade.

“Deadlines te tornam criativo”, diz Jack White. Ter todas as oportunidades, todo o dinheiro, todas as cores na paleta, o que você quiser, isso mata a criatividade.”

E há o caso do “Köln Concert”. Uma bela história de como as restrições fomentam a criatividade. E que quase não aconteceu. Os riscos de fracasso eram enormes. Keith Jarrett foi forçado a tocar um piano que ele disse ser “intocável”, em um concerto de improvisação, sozinho, para um público de mil e quatrocentas pessoas. O que saiu disso é uma de suas melhores performances e o álbum de jazz solo mais vendido da história; o álbum de piano mais vendido da história.

Abrace as restrições.


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