O conceito de casa inteligente está fracassando

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Duas semanas atrás, a Consumer Technology Association (CTA) publicou um relatório previsivelmente otimista sobre a situação da tecnologia de consumo. Eles projetaram uma receita recorde de $487 bilhões para este ano, esperando um crescimento especialmente forte para os laptops, fones sem fio, gadgets fitness e telefones 5G.

Contudo, entre as boas notícias desta previsão há um ponto mais sombrio: dispositivos para a casa inteligente, antes vistos como a próxima grande plataforma eletrônica, irão manter as receitas em $15 bilhões em 2021, com as vendas individuais subindo em até 11%.

O CTA diz que esta estagnação no crescimento ocorre somente em razão da alta competição, com a grande entrada de fabricantes de dispositivos no segmento – que também diminui os custos do hardware. 

Mas como uma pessoa que vive há muitos anos com diversos dispositivos domésticos inteligentes, tenho uma teoria diferente: eles não valem grande investimento, a não ser que você tenha quantidades infinitas de tempo e paciência. 

AS QUEIXAS

Quando você pressiona um botão no seu telefone – para fazer uma ligação ou tirar uma foto, por exemplo – provavelmente espera que ele funcione todas as vezes. Mas não é assim que as coisas funcionam com os dispositivos para casas inteligentes. 

Só nesta semana, por exemplo, as duas persianas conectadas à Alexa não desceram no horário agendado e, hoje de manhã, apenas uma delas subiu novamente. Não faço ideia do que estava errado porque a Alexa não me dá nenhum retorno quando as coisas não funcionam, então só o que eu pude fazer foi tentar novamente até que a operação funcionasse adequadamente.

Estas falhas são comuns no mundo dos dispositivos inteligentes. O meu Google Assistant já se recusou a colocar alarmes ou ler eventos do meu calendário por vários dias seguidos e depois voltou a funcionar sozinho, sem qualquer explicação. Meu termostato Ecobee de vez em quando fica travado na mesma temperatura e precisa ser reinicializado. Já me deparei com lâmpadas que misteriosamente não podiam ser conectadas aos dispositivos. E tenho quase certeza de que todo mundo que tem um dispositivo Echo já ouviu a Alexa tocar uma música errada pelo menos uma vez.

O problema, diz Carolina Milanesi, analista da Creative Strategies, é que os dispositivos inteligentes não foram aprimorados para evitar este tipo de problema, mesmo com a expansão do mercado, e o acesso por um público mais amplo. No lugar disso, uma proliferação de dispositivos e novos usos multiplicou as maneiras que as coisas podem dar errado.

“No começo, você tinha os primeiros usuários, que geralmente têm um nível maior de paciência,” diz Carolina. “Mas agora o mercado está mais maduro, as pessoas não vão aceitar esse tipo de coisa. Você não vai ficar satisfeito com algo em que não pode confiar. Se o seu alarme não tocar, haverá consequências.”

MUITAS ESCOLHAS

Escolher o que comprar já traz seus próprios desafios. O caos reina em todos os passos do processo de compra de um dispositivo inteligente e é fácil acabar com um monte de dispositivos que não funcionam em conjunto. A iluminação SmartThings do meu quarto não funciona com a Siri da Apple e as minhas persianas Tilt só funcionam com a Alexa. Para controlar por voz a porta da minha garagem Liftmaster, eu preciso antes conectá-la através de um terceiro serviço chamado IFTTT. As lâmpadas inteligentes Philips Wiz do lado de fora do meu escritório não funcionam com meu sistema HomeKit da Apple (embora a marca Hue da Philips funcione).

Até o simples ato de ouvir música em diferentes alto-falantes inteligentes envolve uma série de diferentes protocolos . A caixa Sonos Beam responde a comandos de voz do Google Assistant ou Alexa, mas só aceita áudio em ambientes múltiplos com outros alto-falantes Sonos ou Apple AirPlay. Para conectar minha caixa de som com o Google Home ou dispositivos Echo em outros ambientes, teria que, antes, conectar um Chromecast ou Fire TV (ou ambos) na minha TV.

Algumas semanas atrás, perdi completamente o controle das minhas lâmpadas SmartThings. Isso porque a Samsung decidiu retirar o suporte de um produto que eles lançaram três anos atrás que tornava o dispositivo de streaming Shield TV da Nvidia em um hub remoto do SmartThings. Ainda preciso configurar o hub que a Samsung me ofereceu por um preço mais baixo, pois antes terei de parear todas as lâmpadas novamente. (Os proprietários de hubs da Wink passaram pela mesma provação no ano passado, quando a empresa resolveu adotar um modelo de assinatura obrigatória.)

Quando eu explico estes inconvenientes temporários para a minha esposa, ela revira os olhos – e com razão. Mesmo tendo aceito bem minhas explorações com dispositivos inteligentes, ela também sabe o quão irritante eles podem ser. Afinal, ela precisou configurar os mesmos aplicativos que eu e aprender os mesmos comandos de voz e precisou treinar o Google Assistant para reconhecer sua voz para fazer com que algumas funcionalidades funcionassem. 

Isso significa que ela também tem o poder de veto em quaisquer compras futuras. A instabilidade inerente à nossa configuração atual fez com que ela eliminasse categorias inteiras de dispositivos – particularmente, fechaduras inteligentes – e nós decidimos não instalar câmeras de segurança de qualquer tipo. Os fabricantes de dispositivos não conseguem entender que, em casa, você não pode focar em uma só pessoa. 

ALÉM DO BÁSICO

Na realidade, a projeção do CTA sobre casas inteligentes é, em certa medida, otimista. Rick Kowalski, o diretor de pesquisas da empresa, diz que 2020 foi um ano crucial para os dispositivos inteligentes, com um crescimento de 5% da receita. E mesmo com o achatamento da receita neste ano, ele espera pontos altos em algumas categorias individuais. Ele aponta para os robôs como sendo uma área de grande potencial de crescimento, com a indústria indo além dos aspiradores de pó básicos para limpadores de piso e cortadores de grama.

“Com o tempo, as pessoas vão continuar a melhorar suas casas. Elas irão enxergar oportunidades de se atualizar para dispositivos integrados e construir sua rede doméstica,” diz Kowalski.

Provavelmente ele está certo no sentido em que as pessoas vão, paulatinamente, juntar vários dispositivos ao longo dos anos, da mesma forma que eu fiz nos últimos anos. Mas a promessa original da casa inteligente não era só a de automação de algumas tarefas aleatórias. Empresas como a Amazon, a Apple e o Google, na verdade deveriam nos dar um certo tipo de inteligência centralizada para a casa, juntando uma gama de dispositivos de forma inteligente e agradável. A ideia é que um despertador inteligente conseguiria abrir as persianas e acender as luzes de manhã, ou que o seu rastreador de sono conseguiria diminuir o termostato quando você não está dormindo bem.

Hoje, estas empresas continuam tentando achar uma forma de fazer isso. O Google Assistant ainda está tentando substituir funcionalidades que o Google Nest fazia sozinho, como rotinas de automação Em Casa ou Fora. A Apple ainda tem duas interfaces separadas para automação doméstica – uma pelo app Home e outra pelo Shortcuts. A Amazon ainda mantém três sistemas inteligentes diferentes através da Alexa, Ring e Blink. Somente recentemente as três gigantes entraram em um acordo para único protocolo sem fio para automação doméstica, que reduziria a quantidade de pontes e hubs que as pessoas precisam instalar.

É tudo muito confuso hoje em dia e provavelmente não irá melhorar muito em breve. 

“As pessoas continuam comprando termostatos e fechaduras e lâmpadas, mas eu não acho que a indústria avançou na perspectiva de experiência,” diz Milanesi. “Ela não é tão inteligente.”


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