E o lugar da mulher negra, hoje, é mesmo onde ela quer?


Adriana Barbosa 3 minutos de leitura

Há tempos esbravejamos que lugar de mulher é onde ela quer. Nossa luta por empoderamento, respeito e equidade avança a cada dia, mas sabemos que temos muito ainda pela frente. E quando se fala de mulher negra, o assunto é ainda mais complexo. Enquanto mulheres brancas lutavam por seus direitos no auge da Revolução Francesa em 1789, mulheres negras escravizadas brigavam para serem reconhecidas como pessoas. Afinal, o lugar da mulher preta sempre foi muito bem designado, e a nós nunca nos deram o direito de não trabalhar e não servir.

“Mas o fato é que, ‘quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela’, como bem disse Angela Davis”

E este lugar que nos foi dado e esperam que ocupemos, está cada vez mais sendo questionado. Unimos nossas potências, reconhecemos o nosso valor e nos lançamos ao conhecimento, ao empreendedorismo e à inovação, na contramão dos estereótipos. Foi o empreendedorismo que permitiu que a população negra se mantivesse no pós-abolição, e foram as mulheres pretas que sustentaram historicamente a economia – na base da pirâmide social. Desde as mulheres do tabuleiro da Bahia, que vendiam comida no tabuleiro, com muita inventividade, às da costa ocidental da África, que praticavam um comércio ambulante de produtos comestíveis, gerando autonomia em relação aos homens e muitas vezes tornando-se as provedoras de suas famílias.

Mas o fato é que, ‘quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela’, como bem disse Angela Davis. Observe, por exemplo, como o processo de transição capilar das mulheres negras mudou a indústria de cosméticos e consequentemente outras cadeias de produção, como a indústria da publicidade. Feiras, tabuleiros e cabelos. Partimos da escassez e da vulnerabilidade para abundância, possibilidade e transformação.

Por essas e outras, encabeço projetos para cada vez mais fomentar a independência e o sucesso de mulheres negras. Desenvolvi o programa Afrolab Para Elas, voltado exclusivamente para afroempreendedoras, um dos desdobramentos do Afrolab, que apoia, promove e impulsiona o empreendedorismo negro. Com a pandemia, veio a urgência do digital e a capacitação tem agora uma frente virtual que nos possibilita atravessar fronteiras. Desde então, o Afrolab já passou pela Bolívia, África do Sul e recentemente chegou à Colômbia. Em parceria com a Manos Visibles e o Mercado Livre, oferecemos às mulheres empreendedoras negras e indígenas um intercâmbio cultural e de imersão entre brasileiras e colombianas.

Projetos como esse vão muito além da capacitação profissional, servem para empoderar, encorajar e inspirar umas às outras. Ver uma mulher negra em posição de destaque faz com que outras mulheres negras se permitam sonhar. Criei o maior evento de cultura negra e empreendedorismo da América Latina e não estou sozinha nessa. A minha luta hoje se inspira na de mulheres que fizeram história, como Tereza de Benguela, a escravizada que virou rainha e liderou um quilombo de negros e índios e é homenageada no dia 25 de julho. Internacionalmente, na mesma data celebra-se o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, que nos recorda a nossa potência e todo o histórico por trás da nossa força ancestral.

O Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra é de resistência, mas é também um lembrete de que não podemos ser somente resistência. É preciso sonhar, afinal, lugar de mulher negra é onde ela quiser. E juntas, as pretas fazem história, quebram estereótipos e ocupam espaços nunca imaginados. Realizando, assim, sonhos daquelas que aqui passaram e abrindo um leque de possibilidades a todas que ainda passarão.

Este texto é de responsabilidade de seu autor e não reflete, necessariamente, a opinião da Fast Company Brasil


SOBRE A AUTORA

Adriana Barbosa é fundadora da Feira Preta, evento de cultura e empreendedorismo, e CEO da PretaHub. Foi apontada pelo Fórum Econômico... saiba mais