Por que não aceitamos o “velho normal”?


Claudia Penteado 4 minutos de leitura

No primeiro semestre deste ano, o repúdio ao “velho normal” já estava documentado. Pelo menos nos Estados Unidos. Um em cada três trabalhadores americanos desistiria de seu emprego se fosse obrigado a voltar ao escritório em tempo integral, indicava um levantamento da Robert Half, uma consultoria em recrutamento. O que se perguntava então é: por que muitos de nós não aceitamos voltar ao “velho normal”? As respostas passam pela palavra “controle”.

“Os lockdowns tornaram real um mundo no qual os trabalhadores do conhecimento são deixados livres para gerenciar suas agendas (…) Agora, a maioria deseja manter esse controle. Isso significa ir ao escritório quando decidirem que vale a pena; não quando forem convocados”, observou David Mattin, o autor da incrível newsletter New World Same Humans. “Tem sido assim há tanto tempo que poucos pararam para perguntar se realmente fazia sentido. Mas na década de 2020 essas questões (…) estarão na ordem do dia como nunca estiveram antes.”

Estamos em um ponto de virada na história da organização do trabalho. Nunca houve uma transformação tão rápida quanto a atual. Mas estamos indo para onde? A primeira resposta que surgiu, no início da pandemia, era: rumo ao anywhere office – escritório é qualquer lugar onde se possa conectar laptop e celular à internet O conceito tem mais de dez anos, mas só foi posto à prova porque a pandemia obrigou o mundo a mergulhar no experimento do home office em tempo integral. Neste sentido, atuou como uma aceleradora de partículas comportamentais.

A pandemia obrigou o mundo a mergulhar no experimento do home office – e muita gente não gostou tanto assim da experiência. Mas também não quer voltar ao passado.

Deste laboratório global, surge ao menos uma nova “lei da física dos escritórios”: a constatação de que uma parte expressiva da força de trabalho pode operar remotamente sem prejuízo para a produtividade nunca mais poderá ser ignorada. Houve, no entanto, exageros na interpretação desta lei. Do Vale do Silício partiu uma profecia que ecoou pelo mundo corporativo por mais de um ano: “Se escritório é qualquer lugar onde se possa conectar laptop e celular à internet, não precisaremos voltar nunca mais aos locais de trabalho”. Era a promessa do home office eterno.

Às vésperas de completarmos dois anos de pandemia, a pergunta que se faz é: será que não?

O penoso prolongamento dos lockdowns e quarentenas expôs o ponto cego na profecia do anywhere office. A pandemia obrigou o mundo a mergulhar no experimento do home office – e muita gente não gostou tanto assim da experiência. Mas também não quer voltar ao passado.

Daí o relativo consenso em torno da ideia de que o futuro é híbrido. No Brasil, o modelo que combina trabalho presencial e virtual já foi definido por 43% das empresas como padrão para o pós-pandemia, segundo pesquisa do IDC. As companhias que ainda não decidiram são 33%. Nelas, o modelo híbrido é desejado pela maioria dos trabalhadores: 59%. Entre os mais jovens (18 a 21 anos), tal preferência é de 76% Os que querem voltar a trabalhar todo dia no escritório são 22% dos profissionais entrevistados. O modelo 100% remoto foi definido por apenas 9% das empresas. Por quê? Por que tanta gente gostou menos do home office do que esperava gostar?

Por três motivos principais. Primeiro, porque o que vivemos nos últimos 21 meses assemelha-se a uma prisão domiciliar com benefícios. “Quando você trabalha em casa, às vezes parece que está dormindo no trabalho”, afirmou Satya Nadella, CEO da Microsoft. O segundo motivo é a “fadiga de zoom”. Seis semanas de videoconferências seguidas são suficientes para afetar nosso cérebro, que passa a absorver menos informações no dia a dia por conta do excesso de estímulo.

A terceira e última razão é o trabalho 24 x 7. O home office elimina a fronteira física entre trabalho, descanso, família e lazer. Para reverter este fator, é preciso disciplina para demarcar fronteiras entre trabalho e não trabalho. E autoridade para garantir que essas fronteiras sejam respeitadas. Isto começa com uma política de tolerância zero com o que chamo “assédio digital”.

Este é o pano de fundo para a ameaça do “velho normal”, um motivo de tensão entre empregadores e empregados. No mundo, 75% dos executivos que trabalham remotamente desejam voltar ao escritório três dias por semana ou mais, segundo pesquisa feita pela Slack. Somente 34% dos trabalhadores não-executivos pensam da mesma forma. Nos EUA, 72% dos chefes que supervisionam funcionários remotamente preferem que todos estejam no escritório novamente no pós-pandemia, de acordo com a Society for Human Resources Management.

Cortes salariais propostos pelo Google para trabalhadores remotos (re)iniciaram o debate sobre pagamento baseado em localização a partir de agosto. Funcionários que escolherem o trabalho remoto podem vir a pagar um preço por essa decisão, sob a forma de redução da remuneração.

A reação a políticas desse tipo é um ingrediente-chave do que se convencionou chamar de A Grande Renúncia. Em 2021, os EUA viram quase 25 milhões de pessoas abandonarem seus empregos. Pelo menos em parte, é a concretização da ameaça colocada há mais de seis meses: pedir demissão diante da ameaça de volta ao modelo de trabalho presencial do pré-pandemia.


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais