E depois do dia 20 de novembro?

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“Não pode ser seu amigo quem exige seu silêncio ou atrapalha seu crescimento”. A frase de Alice Walker, escritora, poetisa e ativista feminista estado-unidense, diz muito sobre as relações raciais estabelecidas no Brasil nos últimos 521 anos.

O Brasil é território de um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade, foram cerca de 5 milhões de pessoas escravizadas. Todos os acordos e políticas que beneficiaram esse sistema reverberam até hoje em maior ou menor escala em todas as estruturas e precisamos revisitar os fatos e propor mudanças estruturais.
Esse artigo está dividido em duas partes: uma breve linha do tempo e frentes de atuação que podem ser colocadas em prática por você após a leitura.

Lá no Século XIX, em 1839, havia uma lei que não permitia acesso à educação básica pelas pessoas negras, em um censo realizado em 1872 a população negra no Brasil era superior a 80% — fato óbvio, pois fomos o país que mais escravizou pessoas no mundo: 4,8 milhões de pessoas durante todo o período em que houve escravidão por aqui.

Amanda Graciano é economista, mentora, professora, especialista em inovação e transformação digital, além de ser uma das Top Voices do LinkedIn (Crédito: divulgação)


No momento em que temos promulgada pela então Princesa Isabel a Abolição da Escravatura, os negros não tem nenhum respaldo e/ou oportunidade de acesso à moradia, educação, saúde ou qualquer outro direito dado às pessoas que naquela época eram entendidas pelo Estado brasileiros como cidadãos.

Enquanto a Europa vivia a Segunda Revolução Industrial e as pessoas brancas no Brasil começavam a se articular culturalmente, tecnologicamente e politicamente, as pessoas negras (ou as pessoas escravizadas recém libertas) lá no dia 13 de Maio de 1888, foram jogadas à sua própria sorte.

Durante séculos a estrutura política e social do Brasil excluiu as pessoas negras e privilegiou as pessoas brancas. É por isso que, quando falamos da necessidade de mexer nas estruturas, falamos da necessidade de revisitar alguns séculos de relações de poder estabelecidas por aqui e que foram baseadas também na cor da pele. Já que políticas eugenistas (aquelas que queriam tornar o Brasil um país branco) foram parte da política de alguns governos durante o século XX. Portanto, o retrato que temos em pleno 2021 no mercado de trabalho e na sociedade brasileira não é tão diferente assim.

 No  mundo corporativo a presença de pessoas negras é muito baixa. O que não corresponde à realidade do nosso país, onde mais da metade da população se auto-declara preta ou parda negra. Apesar disso, segundo dados divulgados em 2020 pela Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial no mercado de trabalho formal, 6,3% das pessoas negras no Brasil ocupam cargos gerenciais e apenas 4,7% cargos executivos, e quando o recorte são as mulheres, temos apenas 1,6% de mulheres negras no Brasil em cargos gerenciais.

Se olharmos para a política, ambiente crucial para os debates sobre a desigualdade e criação de projetos para combatê-la, temos, segundo o IBGE, que em 2018 foram eleitos 24,4% de deputados federais e 28,9% dos deputados estaduais negros.

Desde da criação do Supremo Tribunal Federal, o STF, apenas três negros ocuparam uma cadeira na instituição até o momento, desde que ela foi criada – em 1808.

Ainda que hoje existam diversas exceções, em um país onde o racismo é um elemento cultural forte, é difícil sermos muito otimistas a ponto de acreditar que discutir acaloradamente o tema apenas nos meses de novembro bastará. Caso não ocorram mudanças bruscas e em escala, estaremos criando soluções, movimentando capital, dando educação, trazendo inovação e dando direitos básicos para uma parcela muito pequena da população que é majoritariamente composta por homens brancos e mantendo a barreira de acesso a grupos historicamente excluídos.

Não tenho dúvidas que parte deste movimento passa por investir intencionalmente para transformar a realidade, no setor público e no setor privado. 

Proponho aqui três frentes de atuação que podem ser trabalhadas por você, leitor:

1. Garantir a representatividade de profissionais negros nas organizações privadas, governos, conselhos, etc

Esse é um fator importantíssimo para inclusão real. Não só em vagas juniores mas também em cargos executivos, precisamos eleger pessoas negras e também nomeá-las em cargos públicos.

Os espaços de tomada de decisão no país precisam ter uma representação racial mais próxima do que é o Brasil real.

2. Permitir o acesso e a igualdade de oportunidades

O direito à possibilidade de escolher, até o momento, nunca foi garantido. Se em algum momento da história foi negada a educação, é preciso dar acesso às oportunidades em educação, trabalho, experiências, dentre outros.
Em um momento em que o cenário de investimentos do país está aquecido para empreendedores, com aumento no uso de tecnologia, a barreira para empreendedores negros é muito grande. Um exemplo disso é que, no Brasil, o acesso aos primeiros investimentos é ainda privilégio de pessoas brancas.  Não ter esse investimento e não ter acesso a esse conhecimento faz com que a jornada dos empreendedores negros seja muito mais desafiadora. Dar acesso e igualdade de oportunidades é de alguma forma retirar o viés do processo de ascensão social.

3. Promover o diálogo sobre o tema e enfrentar o racismo estrutural

É preciso ter uma política de tolerância zero ao comportamento que discrimina pessoas por causa da sua cor da pele. Lendo aqui, parece muito óbvio, não é? Mas na prática, as relações de poder e o racismo estrutural passam despercebidos em muitos momentos.
Existem diversas pessoas incríveis no mercado e trazê-los para tratar dos temas que dominam para além das questões raciais é urgente.

Por fim, reforço que para além do dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de Novembro, é preciso trazer pessoas negras para “as mesas das decisões”. Afinal de contas, essas são questões facilmente percebidas por pessoas que sentem na pele os desafios de trabalhar e viver em um país racista.


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