O que eu, Branco, posso fazer para ajudar? Da frase pronta à atitude reparadora

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 6 minutos de leitura

Chegamos ao final da nossa série de cinco passos para se tornar uma pessoa antirracista e, durante as últimas semanas algumas reflexões foram feitas a respeito das pautas raciais no Brasil. Preferi dar foco ao exercício branco de se perceber privilegiado exatamente por ser branco. Pois bem, chegamos à última reflexão trilhando o caminho do antirracismo. 

Vamos fazer uma espécie de checagem de algumas informações importantes. Primeiro, o Brasil possui hoje, na sua composição populacional, 57,4% de pessoas que de autodeclaram pretas ou pardas, o que o torna majoritariamente negro. Outra informação valiosa é que: fora a Nigéria, o Brasil é o segundo maior pais no MUNDO em população negra. Em nenhum outro país africano, salvo a Nigéria, há mais pessoas pretas do que aqui. Esse acúmulo negro populacional é resultado direto da escravidão negra no país. 

Segundo estudos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, o IBRE-FGV, a partir de pequenos dados da PNADC 4TRI/2019 (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio do IBGE, no quarto trimestre) e da RAIS 2019 (Relação Anual de Informação Social), é possível observar o quanto a distribuição do rendimento do trabalho (salário) por grupos de raça/gênero é desproporcional. No mundo ideal onde há igualdade, espera-se que em cada faixa da distribuição de rendimentos, que podem ser pequenos salários, salários médios e altos salários, seja preservada a composição da população ocupada por esses grupos. A população brasileira distribuída por raça e gênero é composta por 32% de homens negros (pretos/pardos), 24,4% de homens brancos, 23,0% de mulheres negras (pretas/pardas) e 20,6% de mulheres brancas. Mas, quando se observa a distribuição dos salários, principalmente os altos salários, o que impera é uma super distribuição/concentração dos altos salários entre homens brancos e mulheres brancas. 

Na base da distribuição, ou seja, menores salários, há predominância de mulheres negras (37%) e homens negros (35%) e, por outro lado, uma pequena parcela de homens brancos (12%) e mulheres brancas (16%). Conforme se avança para o topo da distribuição, ou seja, maiores salários, o padrão vai se invertendo, com o top 10% dos maiores rendimentos composto majoritariamente por homens brancos (44%). As mulheres negras, por sua vez, representam apenas cerca de 9% das pessoas que estão no top 10 de maiores rendimentos. Cabe salientar que esse estudo olha apenas para o setor formal privado onde esse padrão é ainda mais acentuado.

O último passo da série sugere a reparação como medida prática, e aqui falo do que pode ser feito, do verbo fazer – que implica em uma ação. 

Eu poderia trazer aqui outros dados interessantes sobre a condição social de pessoas pretas e brancas no Brasil e na América Latina, porém pautar o tema da empregabilidade e de salários é, além de tudo, pôr em negrito os dados que mostram a reprodução de ciclos de pobreza e, também, evidenciar os mecanismos de manutenção do status quo. 

Há um consenso universal que é reforçado por estudos, como os feitos pelo próprio IBGE, IPEA entre outros, de que há uma correlação entre a quantidade de anos estudados e a renda das pessoas, sendo a sentença muito fácil de ser entendida, visto que “Jeremias” que tem nível superior em Economia, ganhará mais que Hepaminondas que só estudou até a 4 série primária, assim como Elizabeth, que é formada em medicina, tem salário superior ao de Michele, que é técnica em enfermagem. Esse fenômeno a economia chama de sheepskin ou efeito pele de carneiro. 

Um fato interessante que aprofunda o fosso da nossa discussão é que, segundo o estudo do IBRE, já citado acima, com as pessoas negras o efeito pele de carneiro ou simplesmente sheepskin não acontece como regra se comparado com uma pessoas branca. O que o estudo afirma, baseado em dados e em evidências, é que é bem possível uma pessoas branca ganhar mais que uma pessoa negra, ainda que a pessoa negra tenha um diploma universitário e mais anos de estudos. Isso lembra as pautas relacionadas às questões de gêneros por igualdade nos salários, só que no debate feminista o que se pede é que uma mulher que tenha a mesma qualificação de um homem ocupando o mesmo cargo ganhe a mesma remuneração que esse homem e não menos pelos simples fato de ser mulher. A questão racial explode essa lógica porque aí, pouco importa o gênero: um homem negro pode ganhar menos que uma mulher branca dentro de uma mesma função, ainda que ele possua maior formação acadêmica e mais tempo de estudos. Isso é uma loucura!

Dadas as situações de anomalia patológica que vivemos, o último passo da série sugere a reparação como medida prática, e aqui falo do que pode ser feito, do verbo fazer – que implica em uma ação. E talvez você, leitor branco, esteja fazendo aquela clássica pergunta: o que eu branco/branca posso fazer para ajudar? Esta pergunta é um clássico!

Seguem, abaixo, cinco ações que você, branco, pode fazer para reparar o legado e o acúmulo da escravidão que tanto te beneficia e tanto me pune:

  1. Procure estudar as questões relacionadas às relações étnico raciais, não há especialistas em racismo, nós somos especialistas em relações étnico raciais. Talvez você vá se lembrar que a última vez que você leu com atenção algum texto relacionado à história do negro no Brasil foi no cursinho pra passar na Fuvest e afins – e se sua graduação não foi na área humanas, nem deve ter dado tanta atenção assim, só não queria levar bomba em história;
  2. Apoie instituições pretas que estejam se dedicando a ajudar a resolver o problema: você pode apoiar financeiramente, até porque não basta reconhecer o privilégio, é preciso repartir o malote. Apoie com serviço voluntário, ensine uma ferramenta que pode ajudar uma pessoas pretas no mercado de trabalho, um idioma (aqui eu indico a escola da Ponte Para Pretxs);
  3. Vote em candidatas e candidatos pretos, pois a baixa representatividade legislativa acaba contribuindo para o não avançar de pautas importantes da comunidade negra, e no atual governo pode-se ver o claro retrocesso de vitórias importantes para a comunidade negra brasileira;
  4. Cobre na sua empresa e afins a aceleração de projetos de inclusão de negros, principalmente em cargos de alta gestão, e você também pode se esforçar para indicar candidatos pretes para vagas dentro da sua empresa. Saia da bolha de só indicar aqueles amigues brancos de sempre e, o mais importante: valorize os funcionários negros que sempre estão como auxiliar de serviços gerais, pois eles são responsáveis por boa parte do bom andamento das suas entregas no trabalho;
  5. Tenha mais amigos pretes, mesmo que para isso você tenha que alterar a sua geografia. Segundo Milton Santos, há racismo geográfico. Se você viver uma vida somente circulando na sua zona classe média de conforto, não irá romper a bolha. Não é possível utilizar como justificativa de não ter amigos negros o fato deles não estarem no seu circulo social, até porque foi o racismo estrutural que levou ao seu privilégio branco e que fez com que eles não chegassem até aí…

Um feliz natal e um próspero ano novo, próspero para todes!

Beijos e ouçam Stevie Wonder – qualquer canção dele!


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais