O que pensa Rodrigo Baggio, fundador da ONG de Empoderamento Digital RECODE

Crédito: Fast Company Brasil

Ana Beatriz Camargo 7 minutos de leitura

O que significa ser um país com inclusão digital? Segundo o ranking global feito pela The Economist, o Brasil é o segundo mais bem colocado entre os 20 países latino-americanos, quando são analisadas questões como infraestrutura disponível para o acesso à internet no território e o custo desse acesso. Porém, quando são levados em conta critérios como habilidades e alfabetização digital, nosso país despenca no ranking global e passa a ocupar a 69ª posição. Ser um país inclusivo versa muito menos sobre a quantidade (de smartphones nas mãos) e muito mais sobre a conscientização das ferramentas disponíveis e dos usos que podem ser dados a elas.

Olhando para o território gamer, muito mais do que apenas consumir jogos freneticamente através de celulares, consoles ou desktops, um país inclusivo digitalmente permite que todos os seus tenham as ferramentas disponíveis para se tornarem agentes ativos e produtores, não apenas mercado consumidor. Já mostramos aqui informações sobre o mercado que forma profissionais dos games, que é dominado basicamente por instituições privadas. Dados também não faltam: segundo a pesquisa “TIC Domicílios 2020”, do Cetic.br, apenas 13% dos domicílios das classes D e E possuem um computador, contra 100% dos domicílios das classes A. 

É neste contexto díspar que Rodrigo Baggio atua há mais de 20 anos. Ele é fundador e CEO da ong Recode, que se intitula como uma empoderadora digital, e que acaba de lançar uma parceria com a Meta (a.k.a. Facebook) para introduzir cada vez mais brasileiros no mercado de games. A iniciativa Games4Good consiste em cursos online e gratuitos voltados ao desenvolvimento técnico e emocional de amantes de games. Além do aprendizado, há um desafio – com prêmios em dinheiro — para a criação de jogos.  Um dos quesitos mais importantes que será levado em conta na hora da premiação é o impacto social do jogo, não apenas sua carga de entretenimento. 

Transformar jogadores apaixonados em profissionais ou empreendedores de sucesso, que vão criar games com propósito para mover a sociedade, os Tech Changemakers. Essa é a meta de Rodrigo, que tem no currículo mais de 60 prêmios nacionais e internacionais e indicações renomadas como um dos “100 jovens líderes globais” (Fórum Econômico Mundial) e (50 lideranças da América Latina” (revista Time).

Veja nesta entrevista um pouco do que pensa Rodrigo sobre inovação no mercado de games.

Como inovar no mercado de games?

O mundo dos games é naturalmente criativo, e falar em inovação nesse contexto tem relação direta com inclusão e empoderamento digital. Quando trazemos novos olhares para os jogos e suas dinâmicas, abrindo espaço para mais pessoas, unimos ideias e repertórios diferentes e criamos um cenário propício para o empoderamento digital. É o que fazemos com iniciativas como o Games4Good, que estamos lançando, que alia empoderamento digital a projetos com propósito de impacto social. Investimos em tecnologia e na formação de novos profissionais, gerando diversidade e abrindo espaço para mais negros, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, mulheres e pessoas de baixa renda, encontramos novas perspectivas e preparamos o caminho para políticas públicas eficientes. É importante colocarmos todos em uma mesa criando uma coalizão se quisermos que a mudança seja sistêmica e que o espaço para inovação seja realmente democrático. A gente quer influenciar a sociedade e criar um ecossistema para que a inovação e o impacto social possam acontecer. 

Quais as habilidades mais importantes para alguém se destacar como empreendedor nesse ramo?

Sou empreendedor social há mais de 26 anos e nessa jornada aprendi a conectar dois mundos: um envolve planejamento, foco, performance e qualidade, e o outro tem a ver com paixão, entusiasmo, propósito e transformação social. Posso dizer que, independentemente do setor, o sucesso no empreendedorismo está muito ligado à relação que se estabelece entre essas duas áreas. Além disso, a união entre performance e paixão faz com que as pessoas aperfeiçoem suas habilidades.

Pensando em destacar as principais características que um empreendedor precisa ter no segmento de games, começo falando da flexibilidade, porque é preciso se adaptar às rápidas mudanças sociais e tecnológicas de um universo muito ligado ao digital. Depois, cito a criatividade, que é necessária para quem quer enxergar além do óbvio e perceber possibilidades de criação e inovação ao seu redor. Em seguida, destaco a resiliência para compreender que erros fazem parte do processo. Por fim, a paixão e o entusiasmo, para não desanimar diante das dificuldades e enxergar as diversas oportunidades dentro e fora do mundo gamer. 

Qual seu conselho para uma marca que ainda não teve nenhum contato com este mercado, há espaço para todos?

Meu conselho é: entre em contato com o mundo dos games o quanto antes! Segundo pesquisa realizada em 2021 pelo Instituto Data Favela em parceria com a Locomotiva Pesquisa e Estratégia e com a Cufa (Central Única das Favelas), 96% das crianças e adolescentes que atualmente vivem em comunidades do Brasil sonham com um futuro como gamers profissionais. Diante desse cenário, empresas que souberem aproveitar a oportunidade para ajudar a melhorar a vida e realizar sonhos desse público vão ter um diferencial competitivo muito relevante.

Além de ser a maior indústria do entretenimento atualmente, o universo dos games tem ferramentas incríveis de transformação e impacto social. As empresas precisam fazer cada vez mais parte dessa realidade, utilizando os games como recurso para transformar a realidade e se conectar com as pessoas. 

Na Recode, realizamos projetos com empresas que acreditam no poder do empoderamento digital. Empresas como Petrobras, Microsoft, Prudential, Accenture e BTG Pactual, além de outras ONGs como o UNICEF e Instituto Alok, por exemplo. É sempre muito gratificante criar impacto colaborativo através dessas parcerias, porque isso atrai cada vez mais pessoas para a causa do empoderamento digital, que é tão importante para a criação de uma sociedade mais justa e igualitária. 

Como combater a desigualdade no mundo gamer?

Segundo pesquisa TIC Domicílios 2020 do Cetic.br, 100% dos domicílios de classe A possuem computador, contra apenas 13% dos de classe D e E. A mesma pesquisa revelou que 100% dos domicílios de classe A possuem acesso à internet, contra só 64% das classes D e E. 

O acesso à tecnologia não é e nem deve ser visto como um luxo, mas sim um direito básico de cidadania. Precisamos acabar com a ideia de que entretenimento e tecnologia são algo reservado apenas para a elite e nos concentrar em democratizar recursos. Na Recode, nosso foco é justamente esse: promover a igualdade social por meio da tecnologia, utilizando-a como agente de transformação social. 

Durante os últimos anos, iniciativas voltadas a tirar pessoas da pobreza não contribuíram para diminuir a desigualdade. Portanto, precisamos pensar em abordagens que sejam mais amplas, que reconfigurem o sistema e que criem possibilidades reais para mais gente. A tecnologia é um importante canal para que essa transformação aconteça.

O que está por vir no horizonte de negócios gamer?

O mundo gamer cresceu e se desenvolveu muito nos últimos anos, tomando  proporções antes inimagináveis. Quando olhamos para as perspectivas de mercado, podemos constatar que o segmento deverá empregar muitas pessoas e contribuir para avanços tecnológicos importantes. Afinal, de acordo com a 19° Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia da PwC, os setores pertencentes à área de mídia e entretenimento devem movimentar cerca de U$ 53 bilhões no Brasil em 2022, com destaque para o mercado brasileiro de games e eSports, com perspectiva de crescimento de 16% ao ano até 2022.

Esse tem sido o contexto de uma disseminação da cultura gamer. A linguagem dos jogos hoje está em espaços muito mais amplos e já tem impactado nossa vida de forma indelével. Conceitos como metaverso e de universos virtuais criados, que são o futuro dos games, estão baseados nisso. Estamos falando de uma realidade em que assumimos um papel muito ativo e nos aprofundamos nas narrativas, com experiências cada vez mais complexas. Essa mudança já está acontecendo e nos mostra claramente a direção para o futuro — e não apenas o futuro dos games.


SOBRE A AUTORA

Ana Beatriz Camargo é jornalista, heavy user de redes sociais e escreve sobre o mundo dos games. saiba mais