Não é fácil avançar na jornada do capitalismo consciente, mas é preciso

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 9 minutos de leitura

A COP-26, a Conferência da ONU sobre mudança do clima, terminou há pouco mais de um mês e ainda reverbera entre empresas e entidades. Se no balanço geral há um misto de boas notícias (como o acordo que confirma os esforços para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius) e frustrações – em virtude de ações ainda tímidas diante da crise climática que enfrentamos –, a realização desse encontro com mais de 190 países foi importante para colocar a pauta na mídia e reforçar a necessidade que as corporações têm de estabelecer uma agenda para o tema.

Não é uma tarefa simples. Embora companhias de distintos perfis venham buscando se posicionar de maneira mais efetiva na área e exista um aumento do interesse por assuntos como ESG pelos líderes de empresas, muitas corporações agem por temor, aproximando-se de certas causas – das ambientais às sociais – por uma lente de risco. É como se levantassem uma bandeira por receio da reação do público caso não o fizessem.

A análise é de Dario Neto, diretor-geral do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB), entidade que existe no país desde 2013 e que comemora ter alcançado neste ano a marca de 3,5 mil associados pessoa física e quase 200 empresas integrantes. E o que vem a ser capitalismo consciente? Significa, em última análise, transformar o jeito de se fazer investimentos e negócios por meio de uma gestão mais humana, ética e sustentável e com foco na redução de desigualdades. À primeira vista, parece algo que todos deveriam incorporar. Mas nem sempre é assim. “Não é fácil avançar na jornada do capitalismo consciente para empresas e líderes. Requer renúncia e muita disposição para construir novas crenças e novos valores, além de abandonar alguns outros”.

O ICCB incentiva e ajuda empreendedores e líderes a aplicarem os princípios do capitalismo consciente em suas organizações, alinhados às práticas ESG. Ele representa um movimento global nascido nos EUA em 2010 a partir de uma pesquisa liderada pelo professor indiano-americano Raj Sisodia. O estudo apontou como um grupo de empresas vinha se destacando no preço de suas ações perante as 500 maiores do país apesar de não adotar as mesmas estratégias de marketing, com investimentos vultuosos. A razão disso estava em quatro pilares de negócios que formam o que chamaram de “Firms of Endearment” ou “Empresas Humanizadas”, como se traduziu no Brasil. Esses pilares são propósito maior, orientação para os stakeholders, liderança consciente e cultura consciente.

Nos últimos três anos, o ICCB tem apostado mais em conteúdo que promovem imersão e entendimento a respeito desses pilares. A entidade dispõe de revista eletrônica, podcasts, vídeos, guias de boas práticas, workshops, livros e jogos. Também criou uma célula de educação, Academy, que oferece formações, cursos (como os dedicados a ESG) e a certificação avançada em Capitalismo Consciente. Em outubro, o instituto lançou, em parceria com a Vortex, o App Consciente, ferramenta de treinamento e cursos disponível apenas para associados. O aplicativo dá suporte ao Academy, que já conta com 120 embaixadores certificados.

Outro projeto que a entidade destaca é o Líderes do Futuro – CC Jovem. Trata-se de um programa educacional que visa ajudar a incluir mais jovens no mercado de trabalho de forma produtiva e consciente. A iniciativa recebeu investimento de conselheiros eméritos do ICCB e teve o patrocínio de Movida, Gerdau e Klabin, empresas associadas.

Para o ICCB, o momento é cada vez mais propício para reforçar esses pilares, principalmente no cuidado com as pessoas e com o planeta. Entretanto, como pontua o chairman Hugo Bethlem, os desafios ainda são enormes para levar mais empresas a mudar o foco do lucro no curto prazo para o propósito no longo prazo, o que gera retornos a todos stakeholders e não apenas aos shareholders.

Na opinião de Dario Neto, é preciso desmistificar a ideia de que só há um jeito de fazer negócios no país. Ele defende que um novo capitalismo não só é possível, como é necessário. “Nos últimos 200 anos tivemos substancial geração de riqueza no mundo e aumento significativo da expectativa de vida das pessoas. Por outro lado, testemunhamos uma acentuação enorme da desigualdade e de diversos problemas sociais e ambientais. Um capitalismo implementado na prática com amor e cuidado por todos os stakeholders – que inclui o shareholder – pode fazer com que as empresas no mundo sejam protagonistas na cura das dores da sociedade”, afirma.

Confira a seguir a entrevista com Dario Neto dada à Fast Company Brasil.

– Como o instituto surgiu no país?

O Instituto Capitalismo Consciente Brasil foi fundado em 2013 por um grupo diverso de líderes empresariais, alguns do varejo, que tiveram contato com os conceitos de Raj e de John Mackey, cofundador do movimento nos EUA e CEO do Whole Foods na ocasião. Nosso propósito é ajudar a transformar a forma como os investimentos e negócios são feitos com o objetivo de reduzir as desigualdades. Contamos hoje com mais de 180 empresas associadas e mais de 3,5 mil embaixadores, além de dez filiais regionais espalhadas pelo Brasil. Estamos empolgados com o crescimento da instituição e seguimos comprometidos e inquietos buscando caminhos de acelerar o espalhamento dessa mensagem em um país de 20 milhões de empresas.

Dario Neto

– Que companhias fazem parte do ICCB? Há um segmento que se sobressai, nesse sentido?

Movida, Gerdau, Klabin e Sicoob são algumas das grandes empresas. A base de associadas é bastante diversa e temos buscado maneiras de nos aproximar de setores menos representativos aqui, como o de tecnologia – a SAP foi a nossa primeira grande associada do setor. Multinacionais e grandes companhias cada vez mais possuem recursos e equipe alocados para a pauta, sem falar no próprio interesse dos CEOs. Ao mesmo tempo, notamos enorme interesse de startups que já querem crescer próximas dos pilares e conceitos do ICCB. Nosso principal programa de embaixadores para C-Level é o Conselho Emérito, onde reunimos por volta de 40 lideranças com bastante senioridade a cada bimestre para desenvolvimento conjunto em capitalismo consciente. Temos lideranças como Luiza Helena Trajano (Magalu), Renato Franklin (Movida), Gustavo Werneck (Gerdau) e Cristina Palmaka (SAP).

– Que resultados destacar dos projetos conduzidos pelo ICCB, e quais os planos para 2022?

Destacamos o enorme crescimento de nosso programa de embaixadores, com especial atenção para os embaixadores certificados em nossas duas principais soluções educacionais lançadas na gestão 2020/22: a certificação básica e a certificação avançada em capitalismo consciente. A primeira já formou aproximadamente 200 embaixadores. Há também o lançamento do nosso aplicativo, com múltiplos tipos e formatos de conteúdo educacional para nossos associados, que vão de podcasts com especialistas a mini cursos produzidos pela própria comunidade do instituto. Outros projetos como o Líderes do Futuro (que já conta com mais de 10 mil aulas concluídas por jovens) ou nossos programas educacionais co-branded, como o Jornada ESG em parceria com a HSM, merecem destaque. Para o próximo ciclo de gestão, o foco estará em ganhar escala no crescimento da instituição.

– Como estimular as empresas a adotar práticas que realmente gerem impacto positivo, já que mesmo conferências como a COP 26 não conseguem sensibilizar lideranças mundiais a ponto de promoverem, de fato, as grandes mudanças necessárias?

Há duas formas de se engajar: para se afastar do que não se quer ou para se aproximar do que se deseja. Infelizmente, a maior parte das empresas têm despertado pela primeira opção e buscado o tema por medo, a partir de uma lente de risco e compliance. Uma vez que o “não alinhamento” possa trazer impactos negativos para atração de trabalhadores, clientes, fornecedores e até do próprio capital para financiar o negócio. Esse caminho vai chegar como único caminho mais cedo ou mais tarde para todas as empresas e todos os líderes. Estamos aqui para mostrar que a pauta transcende risco e compliance; é uma oportunidade incrível de transformação cultural e de ressignificar o sucesso e papel das empresas na sociedade. Tentamos trazer a abordagem de transformação cultural em todos os nossos eventos, em soluções educacionais e conteúdo para mostrar que ESG é sobre corresponsabilidade pelos desafios socioambientais do país, com importantes implicações em como se fazem negócios e investimentos.

– O que dificulta a adesão das corporações a práticas que respeitem o meio ambiente como ele deve ser respeitado – e não ações que se limitam à superfície –, que promovam efetivamente a igualdade e a inclusão, que cuidem mais das pessoas?

Não é fácil avançar na jornada do capitalismo consciente para empresas e líderes. Requer renúncia e muita disposição para construir novas crenças e novos valores de liderança e negócio, além de abandonar alguns outros. O tema da consciência, ASG (Ambiental, Social e Governança, a versão em português de ESG) e impacto não são binários. Julgamentos acabam atrapalhando o enorme desafio que temos todos de espalhar essa pauta para milhões de empresas e lideranças. Ao mesmo tempo, não temos mais tempo para avançar muito devagar e muito menos para tolerar “washing” de qualquer tipo. A chave para começar ou avançar passa pela educação profunda dos conselhos e lideranças executivas, bem como pela reestruturação da governança corporativa. Uma governança ética, transparente e multistakeholder não tolera washing.

– Que tendências serão incorporadas ao próximo Fórum do instituto, em 2022?

Os temas sociais e das desigualdades ganharam muito espaço na pandemia. O recente relatório do IPCC e a COP26 devem aquecer também todas as pautas de emergência climática daqui em diante, incluindo a própria intersecção entre elas, a justiça climática. Quem sabe irmos fundo nos ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU) 10 (Redução das Desigualdades) e 13 (Ação Contra a Mudança Global do Clima) seja um bom caminho de advocacy, educação e conteúdo.

– O Brasil tem vivido uma crise social, com a fome e o desemprego em altos patamares. De algum modo, as empresas que seguem práticas de capitalismo consciente podem contribuir para melhorar esse quadro?

Sem dúvida. Inclusão produtiva no país que tem o maior desemprego juvenil do G20 e tem cerca de 48 milhões de jovens com menos de 29 anos é uma chave essencial para não desperdiçarmos o restante do bônus demográficos que ainda vivemos. A fome atingiu 19 milhões de brasileiros e 116 milhões deles estão em algum grau de insegurança alimentar. É um quadro extremamente triste e grave. Empresas capitalistas conscientes podem se engajar de múltiplas maneiras. O investimento social corporativo em um Brasil ainda pouco acostumado à filantropia, apesar de todo o avanço na pandemia, pode e deve ajudar a estancar essa situação de caos social no curto prazo. Organizações como Gerando Falcões ou G10 Favelas são ótimos parceiros possíveis para empresas que queiram se engajar


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais