No Brasil, veto; na Escócia e Nova Zelândia, absorventes de graça

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 5 minutos de leitura

O conceito de pobreza menstrual ainda pode pegar muita gente de surpresa. Nossas avós provavelmente estranhariam a expressão. Mas ela é a tradução em palavras para uma situação enfrentada por diversas mulheres e meninas, em várias partes do mundo, que não têm recursos suficientes para garantir a compra de absorventes e tampões para a menstruação.

No Brasil, o conceito aflorou com intensidade nas redes sociais desde que o presidente Jair Bolsonaro vetou pontos do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual – que sancionou na quinta-feira (7) –, que previam distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda, mulheres em situação de vulnerabilidade (vivendo nas ruas) e presidiárias.

Uma das alegações é a de que as fontes de onde viriam esses recursos não teriam sido informadas. O projeto de lei que originou o programa, no entanto, indicava o SUS no apoio do programa e o Fundo Penitenciário Nacional (Fupen), para atendimento da medida entre as presidiárias. Bolsonaro, no entanto, não concordou com essas fontes, sob as justificativas de que “absorventes higiênicos não se enquadram nos insumos padronizados pelo SUS” e de que a lei que originou o Fupen “não elenca o objeto do programa no rol de aplicação de recursos do fundo”.

A lei que fez surgir o programa é fruto do PL 4968/19, de autoria da deputada federal Marília Arraes (PT-PE) e mais 34 parlamentares, que foi aprovado em agosto. Na proposta havia ainda o fornecimento dos produtos higiênicos nas cesta básicas entregues pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Isso também foi vetado.

Com isso, na parte aprovada do programa uma de suas principais funções seria garantir que o poder público promova uma campanha informativa sobre a saúde menstrual e as suas consequências para a mulher.

Monika Kozub/Unsplash

ESCÓCIA, PIONEIRA

Enquanto o Poder Executivo no Brasil entende que absorvente não deve ser distribuído pelo SUS, nem nas escolas e não pode entrar na cesta básica das famílias mais carentes, dois governos tomaram decisão contrária. A Escócia foi o primeiro país a liberar o produto de forma gratuita e universal. Isso quer dizer que o governo tem de garantir meios de fornecer os itens para as pessoas que estiverem necessitando de ajuda para cuidar da saúde menstrual.

A distribuição gratuita de produtos menstruais já estava assegurada em escolas e universidades, e de graça. A Escócia também foi o primeiro país no mundo a garantir a oferta gratuita de absorventes nas instituições de ensino. Uma pesquisa inglesa revelou que quatro em cada dez meninas recorrem a papel higiênico por não poderem comprar os produtos.

O governo escocês definiu um orçamento de 5,2 milhões de libras para apoiar essa medida. Outras 500 mil libras foram destinadas a uma instituição de caridade para fazer a entrega de produtos gratuitos para famílias de baixa renda.

Em fevereiro, a Nova Zelândia da primeira-ministra Jacinda Ardern anunciou que todas as escolas do país iriam providenciar produtos menstruais gratuitos para as estudantes, a partir de junho. Essa foi uma das medidas adotadas pelo governo para combater a pobreza menstrual.

Jacinda informou, no dia do anúncio, que uma em cada 12 meninas não vão à escola no período da menstruação, evidenciando como a questão pode afetar, inclusive, o aprendizado.

A França também adotou uma medida para enfrentar o problema, porém nas faculdades e universidades. Estudantes passaram a ter acesso a absorventes gratuitos. A decisão foi do ministério da educação. Uma pesquisa feita com 6,5 mil mulheres revelou que 13% delas já tiveram de escolher entre comprar absorvente ou comida.

Outra forma de combater o problema é mexer nos impostos sobre o produto. A Grã-Bretanha reconheceu, no início deste ano, que esses itens higiênicos são essenciais e aboliu um imposto de valor agregado de 5% sobre absorventes e tampões.

REAÇÃO DO PÚBLICO E DO MERCADO 

No Brasil, o veto presidencial gerou uma onda de protestos nas redes sociais, com compartilhamentos de imagens de absorventes e também de uma foto de ensaio feito para uma campanha publicitária. Em maio, a marca Always, da P&G, lançou uma ação para conscientizar a população a respeito da pobreza menstrual. O ensaio fotográfico, assinado por Maria Ribeiro, tem duas fotos com folhas de jornal sendo usadas como alternativa a absorventes.

P&G/Maria Ribeiro

A campanha de Always contou ainda com uma pesquisa que mostrou que o impacto da falta de produtos higiênicos é mais forte no Brasil, em comparação a dados da ONU. Segundo a organização, uma em cada 10 meninas falta à escola durante a menstruação. O estudo encomendado por Always indicou que uma em cada quatro brasileiras já faltou à aula por não poder comprar absorventes. Das jovens entrevistadas, 48% tentaram esconder que o motivo da ausência foi a falta do produto. E 45% acreditam que a falta impactou negativamente seu rendimento escolar.

A pesquisa mostrou ainda que, com as limitações financeiras, mulheres recorrem a alternativas como papel higiênico, roupas velhas ou toalha de papel. Entre as mulheres de classes mais baixas, tecidos ganham ainda mais importância como substituto. Como ressaltou a marca, uma parcela da população brasileira não compreende que absorventes trazem dignidade e previnem doenças.

A antropóloga e pesquisadora Mirian Goldenberg, que colaborou com a campanha, afirmou, na ocasião do lançamento da ação, que o dado da pesquisa que mais lhe chamou atenção foi como a falta do absorvente abala a confiança de 51% das mulheres e traz vergonha a 37%.

Diante da repercussão da decisão do Poder Executivo, Always comunicou nas redes sociais que já havia doado 3 milhões de absorventes como parte de sua campanha e iria doar mais 200 mil itens higiênicos.

Outras duas marcas também agiram. Sempre Livre e Carefree, da J&J, lançaram um clipe, “Dignidade pra Fluir”, da rapper Bárbara Bivolt, como parte de um movimento chamado “Deixe Fluir”. Com isso, querem ajudar a ampliar as discussões em torno do tema pobreza menstrual. Sempre Livre conta com uma plataforma, a Tamo Juntas, para disseminar conhecimento. Lá estão dados de uma pesquisa que encomendaram sobre o assunto.


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais