O que são os ‘dark patterns’ utilizados pelas empresas de tecnologia?

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Dark patterns pode não ser um termo familiar, mas você já deve ter visto interfaces manipuladoras o suficiente para ter uma ideia do que seja. A experiência em um site, app ou gadget é construída para levar os clientes a seguir os ditames de uma empresa, mesmo que isso custe o dinheiro ou os dados das pessoas. Agora, um dos órgãos reguladores de consumo de Washington está perguntando como o setor público poderia lidar com essa praga do setor privado.

No evento online “Trazendo os ‘dark patterns’ à luz” realizado pela Comissão Federal de Comércio em 29 de abril, os palestrantes denunciaram essas interfaces enganosas em apps, serviços e sites. “Cada vez mais vemos empresas usando dark patterns para manipular os consumidores para que entreguem seus dados”, disse Rebecca Kelly Slaughter, presidente interina da CFC, na abertura do evento online.

Mas não estava tão claro o que os agentes federais deveriam fazer a seguir, e se alguma medida exigiria uma nova legislação para fortalecer o órgão.

Os dark patterns podem assumir muitas formas – um botão “cancelar” ou “recusar”, uma assinatura que é muito mais difícil de interromper do que iniciar, um juridiquês aparecendo muito rapidamente ou em tamanho minúsculo e ilegível – mas todos servem para condensar a decisão do cliente em um único botão: “enviar”.

A MALDIÇÃO DO HACKING DE CRESCIMENTO
Como Harry Brignull, um pesquisador de design no Reino Unido que cunhou o termo “dark patterns” em 2010 e mantém um site para explicar o problema, falou no evento: “As pessoas podem acabar comprando, compartilhando coisas ou concordando com os termos legais sem querer.”
A pesquisadora Johanna Gunawan observou que os dispositivos móveis viraram terreno fértil para os dark patterns, citando serviços que omitem funções de exclusão de conta em apps e sites. “Não há nenhuma desculpa para não permitir que os usuários cancelem um serviço no mesmo lugar em que se cadastraram”, comentou.

Kat Zhou, product designer do Spotify, responsabilizou o hacking de crescimento da indústria tech. “As empresas devem implacavelmente dar prioridade para o crescimento. As promoções e os aumentos muitas vezes estão diretamente ligados a essas conversas”, afirmou.
Zhou também explicou que a estrutura descentralizada de grandes empresas de tecnologia pode impedir empregados bem-intencionados: “Você descobre que algo que foi enviado ao público foi feito por um time a 5 fusos horários de distância.”

(O próprio site do Spotify poderia ser considerado um dark pattern: falta a opção de sessão privada do app para substituir o padrão nada evidente do serviço de tornar públicos seus hábitos musicais. Mas isso não foi falado no evento da CFC.)

Enquanto isso, as empresas podem ganhar dinheiro de verdade com dark patterns, como observou Brignull, citando um estudo que revelou que as pessoas gastam 21% a mais em um site de venda de ingressos se não lhes forem mostradas as taxas de serviço antecipadamente. “Imagine se você dirigisse um negócio e pudesse apertar um botão para fazer seus clientes gastarem 21% a mais. É claro que você apertaria”, exemplificou.

As empresas que usam dark patterns com cautela podem sair ilesas ao manipular o comportamento dos consumidores sem forçar a barra o suficiente para irritá-los. Lior Strahilevitz, professor da Escola de Direito da Universidade de Chicago, compartilhou pesquisas sobre como pessoas responderam a dark patterns moderados e agressivos em diálogos que os incentivavam a se inscrever para proteção contra roubo de identidade.

Os dark patterns moderados fizeram com que mais do que o dobro de pessoas se inscrevesse – 26% contra 11% no grupo de controle – sem deixar os indivíduos irritados. “Não há uma reação para as empresas que usam essas técnicas, se nossos resultados forem válidos externamente”, relatou Strahilevitz. “Eles podem empregar apenas alguns dark patterns e se safar”.

Ele e os palestrantes seguintes observaram que os dark patterns funcionam mais efetivamente contra usuários sem formação universitária. Mas também podem atacar usuários mais velhos que, como observou a professora de comunicação Kelly Quinn da Universidade de Illinois, “nem sempre têm habilidades para entender como as tecnologias funcionam”.

A parte mais irritante do evento da CFC falou sobre como os dark patterns afetam as crianças – um problema que piorou à medida que a pandemia deixou pais estressados e tiveram de recorrer ao YouTube e a outros apps para manter as crianças entretidas. “As crianças têm funções executivas imaturas”, disse a Dra. Jenny Radesky, professora de pediatria da Escola de Medicina da Universidade de Michigan. “Elas vão atrás de iscas e de recompensas.”

Anúncios exibidos para crianças podem não solicitar dinheiro, mas ao persuadir as crianças a instalarem um novo jogo, eles ainda podem permitir a coleta de dados valiosos, acrescentou Radesky.

CONTRA-ATACANDO
O que o governo deve fazer a respeito desses insultos de interfaces? Os palestrantes observaram que a Lei DETOUR (uma sigla para Redução de Experiências Enganosas para Usuários Online), proposta pela primeira vez em 2019 pelo senador democrata Mark Warner da Virgínia, proibiria “obscurecer, subverter ou prejudicar a autonomia do usuário, a tomada de decisões ou a escolha” por meio da manipulação da interface.

A representante democrata Lisa Blunt Rochester de Delaware, que patrocinou uma versão da Lei DETOUR no Congresso no ano passado, pediu ação em uma palestra no início do evento: “Na ausência de uma ação responsável por parte dessas empresas, tenho a firme convicção de que o Congresso deve agir.”

Mas em seus próprios comentários, Warner sugeriu que a comissão já tinha autoridade suficiente sob a seção de sua legislação de base que lhe dá poderes para policiar “atos ou práticas injustas ou enganosas”.

“Eu acredito que sob a autoridade da Seção 5, você pode colocar em prática uma estrutura regulatória para tentar proteger os consumidores e proibir esse tipo de prática enganosa”, disse.

De fato, em 2017, a CFC resolveu um caso contra a fabricante de eletrônicos Vizio por conta de uma interface que prejudica a privacidade em TVs conectadas – embora aquela multa de US$ 2,2 milhões possa não ter deixado muitos hematomas.

“Acho que a CFC pode fazer muito com a autoridade atual”, afirma Lauren Willis, reitora associada e professora de direito da LMU Loyola Law School. A sugestão dela: faça com que a CFC dê mais um exemplo de infratores com grande visibilidade.

Infligir o sofrimento público aos praticantes de dark patterns mais famosos também poderia contornar os debates sobre o que é ou não classificado como um dark pattern. Como Strahilevitz perguntou: “Essa insistência é protegida pela Primeira Emenda como estratégia de vendas?”


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