Para fazer um trabalho inspirado, é preciso saber quando desacelerar

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 5 minutos de leitura

Recentemente, um amigo me disse algo que me voltou à cabeça várias vezes durante o isolamento da pandemia: “tudo o que temos é o nosso tempo”. Já não sei exatamente o assunto da conversa que estávamos tendo, mas me lembro de como essas palavras soaram verdadeiras.

“Tudo o que temos é o nosso tempo”. De fato, a gente sempre teve tempo, ele simplesmente era usado indevidamente. Eu digo isso pensando, por exemplo, na escola dos meus filhos. Se tivessem aula presencial, eles teriam acordado às 6h45. Teríamos que sair às 7h40 para chegar à escola às 8h. Se o trânsito estivesse fluindo, eu voltaria para casa ou chegaria na academia às 8h30. Como a saída das crianças é às 15h, teríamos que ir buscá-los por volta das 14h40 e, se tudo corresse dentro do normal, estaríamos em casa às 15h30. Depois, eles fariam o dever de casa, que provavelmente terminariam às 16:15. No total, teríamos passado mais de três horas nos arrumando, dirigindo, voltando para casa e fazendo o dever de casa.

Mas no sistema de ensino remoto, eles têm uma hora de leitura e escrita, uma hora de matemática e, depois, várias horas livres para seguirem sua curiosidade. Durante o isolamento, o meu trabalho continuou sendo apenas três dias por semana. Por isso, diferente de muitas outras pessoas, tínhamos margem de tempo para encontrar um bom ritmo entre o trabalho, a escola e o tempo em família.

Mas muito disso só foi possível foi porque nos planejamos por anos.  Em nossa casa, já estávamos contrariando as normas sociais e as expectativas e já nos perguntávamos como poderíamos otimizar os nossos cérebros e nossas vidas tendo uma família. A resposta convencional para convencional a essa pergunta  tem muitas influências do pensamento industrial, e é mais ou menos assim:

Trabalhe 40 ou mais horas por semana, de segunda a sexta-feira. Além do tempo real de trabalho, perca as duas horas anteriores se deslocando, se preparando, fazendo a merenda e levando as crianças para a escola. Depois do trabalho, vá para casa, faça o dever de casa com as crianças, coma uma refeição saudável (ou, se você estiver apressado, compre comida para viagem), passe uma hora fazendo algo que você goste (se tiver essa sorte) e, em seguida, prepare as crianças para dormir. Se você ainda tiver energia, assista Netflix, beba um pouco de vinho e chame isso de “uma noite a dois” com quem você ama. Repita o mesmo padrão até sexta-feira. Depois, no fim de semana, arrume a casa, assista a um jogo de futebol ou, quem sabe, saia com os amigos. No domingo, você começará a sentir a ansiedade e o estresse dos próximos dias. Faça, então, algumas compras para casa e planeje a semana.

Você se sentirá feliz entre 16h de sexta-feira, quando entra no clima do fim de semana, e a hora do jantar do sábado, quando você já começa a se preparar para a semana de trabalho que se aproxima. Isso é o que sobra: permissão para se sentir livre durante 26 horas.

Recentemente, no podcast “Making Sense”, o apresentador Sam Harris entrevistou Daniel Markovits, autor de The Meritocracy Trap. Markovits observou que os super-ricos agora trabalham significativamente mais horas do que a geração anterior de pessoas ricas. As horas trabalhadas são o novo símbolo de status. Se tudo que temos é nosso tempo, por que muitos de nós nos sentimos tão ocupados?

Isso me fez lembrar aquela fábula sobre a corrida entre uma tartaruga e uma lebre. A tartaruga começa bem devagar. A lebre dispara e quase chega à linha de chegada, mas fica tão arrogante com a liderança que decide se sentar ao lado de uma árvore. Quando a lebre adormece, a tartaruga, lenta e constante, ultrapassa a adversária e ganha a corrida.

O objetivo desta fábula é falar sobre perseverança, é ensinar o valor de outras maneiras de ser, mesmo quando o vício da velocidade nos obriga a apressar tudo. Mas a nossa necessidade de fazer tudo mais rápido, de sermos multitarefa de estarmos sempre “ligados” para atender à demanda crescente tem feito com que essa fábula soe como um consolo, pois ela nos dá a sensação de estarmos fazendo a nossa parte se continuarmos. A abordagem que eu adoto certamente valoriza o trabalho árduo e o movimento para a frente, mas ao mesmo tempo equilibra esse estilo com a necessidade de desacelerar para se recuperar, de se permitir parar para refletir sobre em que tarefas você realmente precisa estar envolvido com mais afinco.  

Eu torço pela lebre. A lebre corre mais rápido, mas ela sabe quando parar e relaxar um pouco. Seu único deslize foi não ter programado um despertador para acordar. Já a tartaruga representa a narrativa do movimento ininterrupto: mantenha-se lento e firme, em vez de inspirado e cansado.

Vou viver inspirado e vou me permitir estar cansado a qualquer dia. Essa é a diferença entre escutar uma música de fundo durante o dia inteiro e escolher intencionalmente ouvir essa mesma música.  Quando se está apenas escutando, você se desliga, entra e sai de seus pensamentos, e a música se torna apenas uma camada do seu ambiente. Ao passo que, quando você escolhe ouvir uma música dançante com seus filhos ou amigos, você presta atenção nela. Cada música da playlist será o foco.

A tartaruga representa um movimento contínuo; a lebre se inspira e depois cansa.  À medida que os profissionais estabelecem suas carreiras, ou à medida que qualquer pessoa passa de um ambiente mais estruturado em seu trabalho para ter seu próprio negócio, é fácil ficar ocupado demais para notar pequenas coisas ou para ter quaisquer pensamentos profundos sobre o que se está fazendo. Em outras palavras:  você até pode estar vivendo o que pensava ser o seu sonho, mas você está tendo tempo para absorver tudo isso?

Mas antes de aprendermos a desacelerar, precisamos reconhecer e desconstruir as barreiras que bloqueiam nosso caminho. Uma dessas barreiras é a disponibilidade ininterrupta. Temos acesso a quase tudo instantaneamente e, como resultado, criamos um mundo onde também ficamos disponíveis sem parar. Só que enquanto as empresas podem gerar lucros dia e noite, o ritmo natural do nosso cérebro é intermitente.

Nossos cérebros são menos parecidos com o da tartaruga e mais parecidos com o da lebre. Em geral, somos melhores em disparar em direção às nossas metas e, depois, descansar. O movimento contínuo (mesmo que seja lento como a tartaruga) não é natural. Como sociedade, estamos viciados em ir em frente sem parar. Sentimos que temos sempre que fazer algo, ao invés de descansar. No fim das contas, era a lebre realmente que estava certa. 

 


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais