Por que a nossa percepção sobre correr riscos está completamente errada

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A imagem de uma pessoa que corre riscos é masculina, majoritariamente branca, e extravagante. Pense em Tom Cruise, que chegou ao estrelato com o filme Risky Business, e foi a personificação da ousadia masculina ao longo de uma série de filmes de ação dramática apropriadamente intitulados Missão: Impossível. O equivalente profissional de se pendurar em penhascos e pular de abismos é a versão do Vale do Silício de empreendedorismo: apostar grandes quantias que você não tem em negócios arriscados, ou estourar o limite dos cartões de crédito e pedir emprestado a todos os seus contatos para financiar uma startup que várias pessoas já disseram que está fadada ao fracasso. (Assumindo, é claro, que os seus conhecidos tenham fundos para emprestar, o que já nos diz imediatamente quem não pode assumir esse tipo de risco).

Na verdade, as mulheres são tão propensas a correr riscos quanto os homens. Inúmeros estudos sobre o risco sustentam uma hipótese que a historiadora da ciência Cordelia Fine chama de “testosterona rex”: a ideia de que as mulheres são biológica e evolutivamente estimuladas a serem cautelosas, e os homens, pelo contrário, a serem ousados. A seleção natural supostamente favorecia os homens que estavam dispostos a correr riscos para caçar alimento ou lutar contra outros homens por território e, portanto, eram recompensados ​​com várias parceiras, enquanto as mulheres só podiam ter um parceiro de cada vez.

Fine disseca cuidadosamente essa lógica e a ciência por trás dela, citando diversos estudos que mostram que assumir riscos não é um traço fixo de personalidade entre os indivíduos, e muito menos entre os gêneros. Em outras palavras, pesquisas repetidamente apontam que as pessoas aceitam arriscar em algumas áreas de suas vidas, mas são avessas a riscos em outras. Se não é possível distinguir indivíduos de maneira uniforme entre os que evitam riscos a qualquer custo e os que arriscam ao extremo, como podemos classificar homens e mulheres dessa forma?

Estudos mostram que “o risco em uma determinada situação é inerentemente subjetivo, variando de um indivíduo para o outro”. As pessoas fazem uma avaliação subjetiva dos custos e benefícios de uma determinada ação, com base em suas próprias experiências de vida e circunstâncias. Quando homens e mulheres têm a mesma percepção dos custos e benefícios de um risco, eles têm a mesma probabilidade de assumi-lo. Mas suas percepções frequentemente diferem, assim como as percepções dos homens brancos frequentemente diferem dos homens negros.

Renewal: From Crisis to Transformation in Our Lives, Work, and Politics por Anne-Marie Slaughter (Crédito: divulgação)

Portanto, não é de se surpreender que muitas mulheres estejam menos dispostas a correr alguns dos riscos que os homens correm. Mulheres que são responsáveis por cuidar de outras pessoas avaliam quaisquer perigos em potencial que representem uma possível ameaça não apenas para elas, mas também para os outros sob sua responsabilidade. O mundo é um lugar muito mais assustador quando você é responsável por aqueles que precisam de cuidados, outros humanos que são, por definição, mais jovens, mais velhos, mais fracos, mais doentes ou simplesmente mais vulneráveis. As mulheres nessas situações não são menos ousadas em algum sentido essencial; elas apenas avaliam qual é o tamanho do risco de uma forma mais franca do que um homem (que não é responsável por cuidar de ninguém além de si mesmo).

Em situações nas quais a experiência de vida não molda a percepção na mesma medida, homens e mulheres correm os mesmos riscos, mas podem fazê-lo de maneiras diferentes. Por exemplo, o especialista financeiro e neurocientista John Coates analisou o comportamento de investidores do sexo masculino e feminino e descobriu que os homens gostam de correr riscos rapidamente, se emocionando com o ritmo acelerado do pregão (pense em um campo de batalha moderno), enquanto as mulheres preferem levar mais tempo para analisar um título e, em seguida, fazer a negociação. Já em outras situações, as mulheres estão realmente mais dispostas a assumir riscos do que os homens. Uma categoria importante onde isso parece ser verdade são os riscos sociais — como divergir de seus amigos ou familiares em suas opiniões ou gostos.

Vamos analisar essa categoria como o risco de não-conformismo — um atributo crítico para um empreendedor, ou para o que o psicólogo organizacional Adam Grant chama de “original”, uma pessoa cuja “marca registrada é rejeitar o padrão e explorar se existe uma opção melhor”. Uma sociedade vibrante e inovadora requer exatamente mais dessas pessoas.

Então, quem está realmente correndo riscos em nossa sociedade e como podemos encorajar mais isso? Considere a análise de custo-benefício que um pai faz quando está pensando em se mudar para outro bairro e mandar o filho para uma escola melhor, geralmente deixando para trás família, amigos e toda uma infraestrutura de apoio social. Os custos são evidentes, mas os benefícios também são? Será que esses pais terão a certeza de que seus filhos receberão a atenção e o apoio que precisam para florescer? Eles são capazes de imaginar as muitas portas que podem se abrir para seus filhos como resultado de uma educação melhor e de todo um novo conjunto de contatos valiosos? Semelhante a isso é o jovem que é o primeiro na família a ir para a faculdade e que segue o conselho sobre o valor de um diploma ao longo da vida.

Michelle Gelfand, uma socióloga da Universidade de Maryland, conduziu uma extensa pesquisa sobre o que ela chama de culturas “rígidas” versus “flexíveis”, criadores de regras versus violadores de regras. Culturas rígidas são controladas por regras rigorosas, marcadas por profunda solidariedade social, mas com pouco espaço para inovações individuais; como no Japão. Culturas flexíveis são o oposto — regras são apenas o começo de uma negociação, em que os indivíduos se colocam à parte ou à frente do grupo e a inovação floresce; como na Itália.

Muitos fatores moldam uma cultura: história, geografia, demografia, economia e política, para citar apenas alguns. Ainda assim, Gelfand descobre que os grupos em vulnerabilidade — seja em nível familiar, local ou nacional — se tornam mais rígidos. Considere os muitos pais afro-americanos que não toleram discussão quando se trata de seus filhos obedecerem às regras de alguma autoridade, seja um professor, um empregador ou um policial — instituição que ainda é esmagadoramente branca. Como Kiese Laymon conta, sua mãe, uma cientista política em Jackson, Mississippi, insistiu que ele fosse “excelente, disciplinado, elegante, emocionalmente contido, limpo e perfeito em face da supremacia branca americana”.

Agora considere quais pais encorajam, ou pelo menos toleram, correr riscos. Mark Zuckerberg abandonou Harvard, não uma faculdade qualquer, para fundar o Facebook. O Vale do Silício está cheio de jovens, a maioria homens brancos de famílias relativamente abastadas que estudaram em escolas de prestígio, e que podem se imaginar alcançando as estrelas (em parte porque não cairiam muito longe se fracassassem).

De fato, o Vale do Silício cultuou o fracasso como caminho para o aprendizado, exortando os empreendedores a “fracassar rápido” e seguir em frente para seu próximo empreendimento. O fracasso é o caminho para o aprendizado. Mas e se você não tiver economias e nenhum pai para salvá-lo? E se o fracasso significar não poder pagar o aluguel, colocar comida na mesa ou não ter assistência médica? Não apenas perdendo o emprego, mas também a possibilidade de conseguir outro? Uma cultura pobre é uma cultura fechada. Se queremos que as pessoas quebrem as regras, inovem, acreditem que podem moldar suas próprias vidas e construam e criem algo novo, precisamos fazer com que se sintam mais seguras. Parece quase anti-americano dizer isso, mas correr riscos exige segurança.


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